"Habituámo-nos a tudo, à miséria e à fraude, à corrupção e ao despotismo. A televisão mostra imagens até à fadiga, à insensibilidade. ”
No Público («Retrato da Semana») aqui (edição paga) e no Jacarandá. Foto do Público.
Questões de clima
«...Olha-se em volta, à procura de sinais. De optimismo e esperança, para uns. De castigo e autoridade, para outros. Não se vêem. Ou vêem-se mal. Todos se viram para o último reduto, o da justiça, aquele que nem sequer durante a revolução, por pudor ou receio, foi assaltado ou reformado. A expectativa não é satisfeita. A justiça não é pronta. Não é eficaz. Não parece isenta. Não mostra pertencer ao seu povo. Foge ao escrutínio. A sua autogestão sobrepôs-se à sua independência. O reconforto que deveria oferecer aos cidadãos não vem dali. Não se vive sem castigo ou recompensa, vegeta-se e faz-se pela vida. A qualquer preço...
Temos olhos cansados, habituámo-nos a tudo, à miséria e à fraude, à corrupção e ao despotismo. (...)
QUASE SEM DISTINÇÃO, surgem novos processos de fraude ou de corrupção. Já não lhe conhecemos os nomes ou as designações. Há bancos que estão em vários, do “furacão” aos “off shores”, das “facturas” ao “apito”, da contabilidade paralela ao favoritismo, passando pela promiscuidade. Há gente que acumula irregularidades. Que todos conhecem, menos as entidades ditas reguladoras e a justiça. Ou, pior ainda, que talvez as entidades reguladoras e a justiça também conheçam. (...) Mas era preciso que a justiça funcionasse, que esses processos fossem resolvidos em tempo devido, em tempo de vida...
TODA A GENTE ESPERA pelos veredictos da Casa Pia (a qual, verdadeira culpada, nunca foi julgada...), do Apito Dourado, do Furacão, do Bragaparques, dos presidentes dos clubes de futebol, de vários autarcas e agora do Freeport, mas a verdade é que a debilidade da justiça é muito mais vasta e profunda do que esses casos ditos de primeira página. Na justiça de família e dos menores, no penal de todos os dias e na justiça económica e laboral: é aí que toma real dimensão a desorganização, a morosidade e a ineficácia do sistema judicial, de investigação e de instrução. O próprio primeiro-ministro pôs em causa a eficácia e a orientação ou do ministério público ou a de uma certa imprensa com acesso às “fugas” orientadas. Os processos de políticos, de grandes empresários, de banqueiros, de dirigentes de futebol, eventualmente de autarcas, de artistas e de atletas... não começam ou não chegam ao fim. Ou não se esclarecem. Ou chegam tarde. Ou prescrevem. E entretanto, o criminoso fugiu, o bandido desapareceu, o vigarista recomeçou vida... E os caluniados ficam sem reparação. As vítimas sem compensação. E os trabalhadores sem indemnização. É verdade que há milhares de casos resolvidos. E de processos acabados. Desses, ninguém fala. Mas é certo que o número dos que ficam para trás, dos que não se resolvem e dos que não reparam é excessivo. E suspeito..
EM QUALQUER DOS CASOS que vem até ao proscénio, os protagonistas não se cansam de repetir que aguardam, “com serenidade”, que justiça seja feita. Todos afirmam que respeitarão a justiça portuguesa e que nela confiam. Muitos pedem que se faça justiça rapidamente e bem. “Até ao fim”, dizem. “Até às últimas consequências, doa a quem doer”, acrescentam. É o que se diz. É lugar-comum obrigatório. Mas a certeza é que ninguém espera com tranquilidade. Nem vítimas, nem culpados. Nem as partes em conflito. As sondagens de opinião, que garantiam aos magistrados, há vinte anos, um lugar invejável na escala do prestígio social, exibem hoje o pessoal da justiça nos últimos lugares, abaixo de jornalistas e advogados. Abaixo de polícias e políticos!Se tivéssemos uma justiça à altura, toda a crise actual seria mais suportável. Não haveria mais emprego. Mas a sociedade seria mais decente.
Creio que urge não votar nos próximos actos eleitorais, um direito constitucionalmente reconhecido. Pois, deste modo, o sistema corrupto que nos tem (des)governado perdia a representatividade, a qual constitui uma condição sine qua non para a subsistência do governo de um país integrado na União Europeia. Tal perda de legitimidade, propiciaria o surgimento de uma alternativa democrática, mandatada para levar a julgamento os responsáveis pelos crimes cometidos.
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