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quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Conferência: "Como Conciliar a Independência e a Responsabilidade Individual do Juiz com o Combate à Corrupção"

(foto retirada do Correio da Manhã www.correiomanha.pt)

No dia 27 de Janeiro (terça-feira), pelas 21h30m, terá lugar nas instalações da SEDES, na R. Duque de Palmela, n. 2, 4º Dt., em Lisboa, uma conferência sobre "Como Conciliar a Independência e a Responsabilidade Individual do Juiz com o Combate à Corrupção" com o Dr. Rui Rangel, Juiz Desembargador e Presidente da Associação de Juízes Pela Cidadania. Seguir-se-á um debate moderado pelo jornalista Eduardo Dâmaso. A entrada é livre.

1 comentário:

  1. Independência dos Tribunais
    No estado de direito democrático deve estar garantida a submissão, à lei, de todos os órgãos do poder político e administrativo aos órgãos que detêm o poder jurisdicional do Estado – os tribunais – ,através da independência destes.
    A independência, dos tribunais, entre nós é uma realidade emergente da própria Constituição da República.
    Vejamos:
    Na lei fundamental diz-se:
    Art.º 202, n.º 1:
    “Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”
    Art.º 203:
    “Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei”
    Cada tribunal é um órgão de soberania, e por consequência cada juiz é titular de um órgão de soberania.
    O conceito de independência , dos tribunais, visa assegurar e garantir a realização de um principio transcendente, qual seja o da estrita legalidade da actuação do órgão jurisdicional, assim como a garantia da isenção e liberdade, no tocante a outros poderes do Estado que sejam estranhos ao poder jurisdicional.
    Na Constituição da República:
    Art.º 204
    “Nos feitos submetidos a julgamento, não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados”.
    E, no n.º 2, do Art.º 205, diz-se:
    “As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades”
    No essencial o que se pretende é a independência relativamente a poderes que são estranhos ao órgão jurisdicional em causa, mas, também a dependência desse mesmo órgão á lei.
    Tal independência pressupõem a inamovibilidade dos juizes, e a sua não responsabilização pelos actos praticados no exercício das suas funções.
    Na verdade, e, continuando com a Lei Fundamental, diz-se, nesta, no Art.º 216, o seguinte:
    n.º 1 “Os juizes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos se não nos casos previstos na lei”
    n.º 2 “Os juizes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consagradas na lei”
    Os juizes são independentes não só porque estão protegidos perante os outros poderes mas também porque o são, entre si.
    A sua dependência está balizada pela lei e obediência à mesma. Alias já o saudoso Mestre Professor Castro Mendes – in “Estudos sobre a Constituição”, 3º Volume, Lisboa 1979, a páginas 653 a 660 – referia que a irresponsabilidade dos juizes, juntamente com o autogoverno da magistratura e a “inamovibilidade” são os princípios ancilares da independência dos tribunais.

    II- Responsabilidade civil dos Magistrados

    O Art.º 1083, do Código de Processo Civil, refere:
    1- Os Magistrados, quer judiciais, quer do Ministério Publico são responsáveis pelos danos causados:
    a) Quando tenham sido condenados por crime de peita, suborno, concussão ou prevaricação.
    b) Nos casos de dolo.
    c) Quando a lei lhe imponha, expressamente essa responsabilidade.
    d) Quando deneguem a justiça.

    III- Responsabilidade Criminal

    Resulta, esta, da prática por um Magistrado de um facto que a lei penal, prevê e pune como crime.
    Nesta situação, se o arguido é Magistrado de Segunda Instância é ao plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça que cabe o respectivo julgamento, competindo ás secções criminais a prática dos actos jurisdicionais relativos ao inquérito, direcção da instrução, presidência do debate instrutório assim como proferir despachos de pronuncia ou não pronuncia(alíneas a, do n.º2, e do n.º 3 do art.º 11 do Código de Processo Penal)
    Se o arguido é Magistrado da Primeira instância as referidas competências pertencem aos tribunais da Relação(alíneas a e b, do n.º 2, do art.º 12, do citado Código de Processo Penal).

    IV- Garantias Da Imparcialidade

    Como se referiu a independência dos tribunais pressupõem e exige a independência dos juizes.
    Apesar desta ser, acima de tudo um dever ético-social, uma responsabilidade que tem a dimensão ou a densidade da fortaleza de ânimo, do caracter e da personalidade moral de cada juiz, não pode esquecer-se a necessidade de existir um quadro legal que promova e facilite aquela independência.
    È necessário que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua independência e assegurar a confiança geral na objectividade dos tribunais.
    Tal quadro encontra-se na consagração de figuras como os impedimentos (impostos, ao juiz, por lei), recusa ou suspeição (requerida pelas partes) e escusa (requerida pelo juiz).
    As mesmas encontram-se perspectivadas e definidas nos Art.º 39 a 47, do Código de Processo Penal, e 122 a 136, do Código de Processo Civil.

    V- Responsabilidade Disciplinar

    É ao Conselho Superior de Magistratura, órgão colegial, constitucionalmente consagrado que compete o exercício do poder disciplinar sobre os juizes dos Tribunais Judiciais, como também, a respectiva nomeação, colocação e transferência (Art.º 217, da Constituição da República).
    É presidido pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça e pelos seguintes vogais
    a) Dois designados pelo Presidente da República
    b) Sete eleitos pela Assembleia da República
    c) Sete juizes eleitos pelos seus pares, de harmonia com o principio da representação proporcional. (Art.º 218, da Constituição da Republica)
    Esta composição heterogénea e plural afasta na sua essência tendências corporativistas e assegura um autogoverno mitigado da Magistratura Judicial, sendo garante efectivo da independência dos tribunais, como órgãos de soberania.
    Constituem infracção disciplinar os factos ainda que meramente culposos praticados pelos Magistrados com violação dos deveres profissionais, e os actos ou omissões da sua vida pública, ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções (Art.º 82 do Estatuto dos Magistrados Judiciais – Lei 21/85, de 30/7)
    O procedimento disciplinar é independente de procedimento criminal.
    A prática de infracções disciplinares sujeita os Magistrados às seguintes penas, consoante a gravidade da infracção:

    a) Advertência; b) Multa; c) Transferencia; d) Suspensão de exercício; e) Inactividade; f) Aposentação compulsiva; g) Demissão (Art.º 85 do citado Estatuto dos Magistrados Judiciais)

    VI- Eficácia da Justiça

    O Art.º 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, diz, assim:

    N.º 1 “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações, de caracter civil quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria dirigida contra ele.”

    Por seu turno a Constituição da Republica, refere que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.”

    A justiça, para ser eficaz, exige que os pleitos sejam decididos em prazo razoável.
    Porém, isto não depende apenas do brio dos Magistrados, mas, também, e sobretudo, das leis processuais e da organização e mapa judiciário, ajustados, equilibrados e tendentes a tal razoabilidade de prazo para as decisões dos pleitos.

    VII- Ética Profissional e Formação dos Juizes

    Não basta a consagração dos juizes, como órgãos de soberania, da sua independência, isenção, da sua responsabilidade disciplinar, criminal e civil.
    É necessário que os Magistrados estejam atentos à realidade que os cerca, às mutações das sociedades, suas maneiras de ser e pensar, as quais, aliás, deverão estar plasmadas nas leis.
    É indispensável compreender os comportamentos humanos, e, a razão de ser, dos mesmos.
    Assim como entender a maneira de ser e estar da pessoa humana nos diversos lugares onde exercem as funções ( pequenas e isoladas comarcas ou grandes urbes ), a respectiva cultura, grau de educação, e sentimentos dominantes no meio.
    É imprescindível que estejam atentos às práticas, cada vez mais frequentes de afirmação do material, sobre a moral, da ascensão e afirmações fáceis sobre a honradez, a dignidade e verticalidade.
    Por isso o juiz tem de possuir qualidades humanas bem vincadas.
    Cada vez mais é necessário que o juiz tenha uma conduta e um comportamento, no seu dia a dia que o imponham desde logo como cidadão, aos demais, para que estes últimos acreditem na autenticidade das suas decisões, embora delas possam discordar, tecnicamente.
    Só assim, pelo seu exemplo, se imporá, naturalmente, aos demais e a justiça rumará, cada vez mais, para a sua maior dignificação, quer aos olhos dos outros poderes soberanos quer, sobretudo aos destinatários, da mesma.
    Estes, na maioria dos casos, designadamente na parte criminal, são pobres, humildes desprotegidos, carregados de verdadeiros dramas humanos, verdadeiramente triturados pela voracidade de uma sociedade consumista, em que a solidariedade, a fraternidade, a compreensão e humanidade inexistem, ou, são parcas, nas sociedades ditas avançadas, deste novo século.

    Estão os Juízes responsabilizados em caso de corrupção?


    1. Responsabilidade civil, criminal e disciplinar dos Juízes
    I. A questão da irresponsabilidade dos Juízes põe-se antes de mais em termos políticos, enquanto titulares de órgãos de soberania. A afirmação de que os juízes são irresponsáveis pelas suas decisões significa antes de mais que não respondem politicamente perante qualquer outro órgão ou entidade, nem mesmo perante o povo, em nome de quem administram a justiça. Se politicamente os juízes são irresponsáveis, não o são, porém, em absoluto no plano criminal, no civil e no disciplinar.
    A independência dos juízes é correlativa da sua responsabilidade no plano ético. No plano jurídico, o que a Constituição verdadeiramente garante não é a irresponsabilidade, mas a reserva de lei na tipificação da responsabilidade.
    E, no plano criminal, são vários os tipos legais em que a lei penal prevê a responsabilização dos Juízes por actos praticados no exercício das suas funções. É o que sucede, entre outros, com os crimes dos artºs 369º (denegação de justiça e prevaricação), 371º (violação de segredo de justiça), 372º e 374º (corrupção) do Código Penal.
    No plano civil também os Juízes são responsáveis, embora com as limitações decorrentes do nº 3 do artº 5º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, isto é, pela via da acção de regresso do Estado contra o respectivo magistrado. Com efeito, por força do artº 22º da Constituição, o Estado é civilmente responsável, em forma solidária, com os titulares dos seus órgãos, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Da responsabilidade do Estado por actos da função jurisdicional cuidam, aliás, outros preceitos constitucionais: artº 27º, nº 5, que dispõe que a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer, e o artº 29º, nº 6, que por sua vez dispõe que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.
    Finalmente, no plano disciplinar, é o próprio Estatuto dos Magistrados Judiciais que prevê a responsabilidade disciplinar dos magistrados pelos factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais, e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das sua funções (artº 82º do EMJ).

    Não é, pois, verdade que os juízes sejam irresponsáveis; eles são-no em termos idênticos às dos demais profissionais, com as limitações decorrentes dessa difícil função que é a de julgar os homens e as suas acções.

    II. Disse comas limitações decorrentes da sua função, da especificidade da função de julgar, porque a função de julgar é uma função com muitas especificidades e que a tornam das mais difíceis, mas também das mais nobres das actividades profissionais.

    A história mostra que perante a inevitável possibilidade do erro humano, tudo se tem procurado fazer no campo da justiça para o limitar e as tentativas vão do sistema da prova legal para a decisão sobre os factos ao sistema da prova moral que substituiu aquele na esperança sempre de melhor justiça, isto é, com menos erros do julgador, ao sistema da prova moral, temperada com a prova legal ou com as regras da experiência, na formulação do artº 127º do Código de Processo Penal.

    Os sistemas sucedem-se na busca da verdade, na busca da justiça, mas a verdade processual não depende só, nem principalmente da actividade do Juiz, mas essencialmente da actividade probatória das partes no processo. E tantas vezes, oh quantas, tantas vezes sucede, dizia, que a responsabilidade pela falta de correspondência entre a verdade processual e a verdade material não é da responsabilidade do Juiz, mas de exclusiva responsabilidade das partes que não cumprem como devem os seus deveres ou ónus em matéria processual, nomeadamente na produção da prova.

    Um sistema de prova livre ou moral, subordinado ao princípio natural de prova do in dubio pro reo, ou com regras de distribuição do encargo da prova, do onus probandi, como é próprio do civil, não é compatível com a responsabilização civil, criminal ou mesmo disciplinar do acto de julgar. Os sistemas do in dúbio pro reo e do onus probandi, associados ao princípio da livre convicção do julgador, que é uma conquista que vem da dos tempos da Revolução Francesa em homenagem ao racionalismo e como repúdio às nefastas experiências do sistema da prova legal, não conduzem à certeza, à verdade, mas simplesmente a uma solução judiciária, à “verdade” processual.

    III. Dizia que no domínio da responsabilidade civil a responsabilização dos juízes só pode efectivar-se mediante a acção de regresso do Estado contra os magistrados.
    Actualmente a lei consagra a responsabilidade directa na Lei n.º 67/2007
    de 31 de Dezembro – artºs 12º SS.

    Compreende-se que assim seja porque não pode responsabilizar-se alguém, por acção ou omissão, quando o agente não tem o controlo dos factos e os juízes não actuam sós no processo nem podem por si próprios condicionar ou limitar o ritmo, a cadência da sua intervenção processual.
    A diferença, neste domínio, entre juízes e advogados é enorme. É que enquanto os juízes sendo senhores do processo, estão sujeitos aos processos que lhes são distribuídos, os advogados sendo também actores, sujeitos do processo, são seus sujeitos voluntários, porque são livres em aceitar ou não o mandato, o que relativamente àqueles que aceitam, assumem a plena responsabilidade pela sua condução.
    A regra de ouro da advocacia, no plano deontológico, vem do Decálogo de São Ivo: «nenhum advogado deve aceitar mais causas do que as que o tempo disponível lhe permite». O juiz, pelo contrário, tem de despachar – e uso a palavra sem qualquer sentido pejorativo – todos os processos que lhe são distribuídos.
    IV. Não menos relevante é a responsabilidade dos magistrados no plano ético-profissional, que de algum modo pode transformar-se em responsabilidade disciplinar e tem a maior importância nas classificações dos magistrados, o que muito releva para efeitos de carreira (artº 34º do EMJ).

    A liberdade ou independência dos Juízes

    I. Liberdade ou independência, antes de mais para os juízes.
    Numa sociedade de homens livres, o dever do juíz é o de observar a lei e os princípios gerais do direito (= da ética) e julgar em consciência com toda a sua competência. Mas observar a lei e os princípios gerais do direito implica primeiro descobrir a lei em ordem à realização do fim para que tende, como disse já.
    Definir a independência dos Juízes nestes termos é, porém, apontar mais um ideal do que descrever uma situação real. Os juízes tomados individualmente não estão isentos das imperfeições humanas e tão pouco são imunes às influências externas. Os juízes são, como regra, irresponsáveis pelos seus julgamentos e decisões, irresponsáveis civil, criminal e disciplinarmente, mas não o são nunca moralmente. E tantas vezes bem irresponsáveis que eles são neste plano.
    Quem tem o poder de dispor da honra, da liberdade ou da fazenda do seu semelhante não pode alhear-se da responsabilidade moral dos seus actos, ainda que não tenha de responder por eles no plano jurídico; tem de se questionar constantemente se do cumprimento formal da lei, ou do seu incumprimento por falta de cuidada preparação técnica, cuidado estudo da questão que lhe é submetida e de diligência no proceder não estará a subverter o Direito, a cometer injuria.

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