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sábado, 31 de janeiro de 2009

"Como disse César, que tinha uma mulher que tinha de parecer o que era..."



Os portugueses estão sedentos de Justiça, desconfiam dos seus políticos, iram-se com os banqueiros, tresanda a corrupção. E esse é o contexto ideal para a manipulação das massas, para os apedrejamentos públicos, para uma qualquer forma de justiça popular que é, em si mesma, a negação da Justiça. Como escrevia Joseph Conrad no prodigioso "O Agente Secreto", o homem "não é um animal investigador. Adora o óbvio. Evita explicações." Venera condenações. O mais fácil é entrar no festival alucinante do "cheira a esturro", "onde há fumo há fogo" para aqui, "a mulher de César" para ali e outras formas sonsas de acusar sem se comprometer. O Caso Freeport não é um invento político nem um intento mediático. Mas o dessegredo do processo é um reconhecimento prévio de que a Justiça desistiu do seu papel. Só quem não acredita num julgamento nos tribunais opta por fazê-lo pelas próprias mãos do povo. O público é incompetente para julgar. A divisão de um País entre os que condenam e os que ilibam o primeiro-ministro é uma perversão social. A entrevista em que Sócrates contestou as suspeitas sobre as suas habilitações literárias foi, então, um momento que cobriu o País de ridículo. Preparamo-nos para repeti-lo? Quatro milhões de euros saíram de Inglaterra para, suspeita-se, pagar "luvas" para um licenciamento em Alcochete; esse licenciamento teve aprovação supersónica, três dias antes do fim de um mandato governamental. Há gravações de conversas, empresas criadas e mortas num ápice, cartas rogatórias pedindo acesso a contas bancárias. (...)
O financiamento partidário é um cancro da democracia. Há interesses políticos obscuros no caso BPN, as aprovações aos casos Siresp ou Casino de Lisboa por governos de gestão criam um clima pestilento. Mas não é assim que se combate a corrupção, que existe e grassa. Não é denunciando tudo, como Marinho Pinto em tempos fez, que se consegue mais que nada. Pelo contrário: deitando corpos para a fogueira mediática vamos cobrindo os fautores, corruptores e criminosos que os tribunais não conseguem condenar. Isso não é justiça, é um espectáculo. Se o processo está descontrolado, a manipulação parece controlada. O primeiro-ministro pode sair mal ou, até, sair vítima deste processo. Mas pisa terreno minado. Como disse César, que tinha uma mulher que tinha de parecer o que era, "é impossível não acabar sendo como os outros acreditam que você é".
O artigo de Pedro Santos Guerreiro e a foto aqui.

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