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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Um fogo que arde sem que o queiram ver

A decisão de suspender funções como vice-presidente do BCP proporcionou a Armando Vara uma chuva de elogios. Intensa como já não se via desde que o antigo dirigente do PS ascendeu à administração da Caixa Geral de Depósitos. Na altura, o militante...
A decisão de suspender funções como vice-presidente do BCP proporcionou a Armando Vara uma chuva de elogios. Intensa como já não se via desde que o antigo dirigente do PS ascendeu à administração da Caixa Geral de Depósitos. Na altura, o militante socialista não tinha currículo que se visse no sector financeiro, mas estava politicamente bem calçado. Como se sabe, esta circunstância é bem mais valiosa para se progredir na zona pestilenta em que se cruzam a política e os negócios, do que anos de experiência e dedicação, como muito bem terão sentido centenas de quadros competentes. Primeiro na Caixa, depois no BCP, viram Vara entrar pela porta grande pelo simples facto de ter o cartão e a amizade certas. No banco público, resta a consolação de que já estariam habituados. De resto, se alguém ficou desconfortável no interior do BCP, depressa terá perdido as ilusões. Não houve accionista que não tenha sido capaz de transformar a sua indignação em reverência, no tempo que demora a fazer uma simples pirueta ajustada aos ditames do momento. Na era das licenciaturas instantâneas, onde não havia rasto de currículo, era preciso criá-lo. Não tardaram a surgir no mercado os assessores de imagem capazes de garantir a pés juntos que o militante socialista era a derradeira coca-cola do deserto em matéria de habilidade para a banca. Das duas, uma: ou havia idiotas disponíveis para serem úteis em praticamente qualquer circunstância ou Armando Vara tinha acabado de falhar o cargo para o qual, afinal de contas, parecia talhado, ou seja, a própria presidência da Caixa.Pode ser que esta embrulhada do caso "Face Oculta" e as suas alegações de que Vara seria uma peça num repugnante esquema de corrupção e tráfico de influências, seja apenas uma interrupção numa brilhante carreira no apetitoso universo da banca. E que o antigo ministro de António Guterres ainda terá a oportunidade de merecer largos encómios pela obra feita e deixada para a posteridade. O que parece manifestamente exagerado é que tenha agora sido elogiado pelo facto de se ter limitado a tomar a única decisão que se impunha, seja ou não culpado entre as suspeitas que lhe são atribuídas.O alívio privado escondido por detrás do louvor público explica uma parte das intervenções laudatórias. Têm um pequeno problema que lhes fere a credibilidade e o fundamento. Tentaram ignorar que, desde o dia em que foi constituído arguido, Armando Vara tinha o dever de ter sabido pesar os seus interesses e os da instituição em que desempenhava um cargo de alta responsabilidade, sem necessitar de ser empurrado. É um sinal de que fazer o que parece óbvio em circunstâncias como esta já ganhou o estatuto de excepção que merece ser festejada.É a partir daqui que se chega à regra geral que mina a confiança dos cidadãos nas instituições, semeia o descrédito na política e cava os alicerces fundos em que assenta a percepção generalizada de que algures, nos terrenos promíscuos onde se misturam carreiras públicas e negócios privados, cresce a corrupção que enriquece uns poucos à custa de muitos. O caso "Face Oculta" é mais uma acha na fogueira em que a credibilidade do regime vai ardendo. Mas é, também, uma nova oportunidade para encontrar a vontade política e os meios necessários para dar combate sério à corrupção. Num país em que crescem as desigualdades, aumenta a pobreza e o Estado não pára de estender o seu peso sobre a sociedade civil, desperdiçar a ocasião será brincar com o fogo em que a democracia se há-de consumir. João Cândido da Silva aqui.

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