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domingo, 22 de março de 2009

Magalhães e Silva: «Passe-se mas é ao combate da corrupção sem “outdoors” na Avenida»

(O Diabo 30-Abr-2008)
O DIABO - Segundo avançou o PS, o enriquecimento ilícito em Portugal já não vai ser crime. Também entende que nossa Constituição proíbe o enriquecimento ilícito?

MAGALHÃES E SILVA - Não há qualquer obstáculo constitucional a que seja introduzido no direito interno o crime de enriquecimento ilícito, previsto na Convenção contra a Corrupção, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de Outubro de 2003, e ratificada por Portugal em 2007. A nossa Constituição consagra, efectivamente, o princípio da presunção de inocência, de que decorre ter o Ministério Público o ónus de provar o crime e o arguido as causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Ora, no enriquecimento ilícito, pretende-se punir os agentes públicos - titulares de cargos políticos e funcionários da Administração que sejam proprietários de bens em manifesta desconformidade com os seus rendimentos fiscalmente declarados e sem que seja conhecida qualquer outra forma lícita de aquisição. Não há então inversão do ónus da prova? Ao Ministério Público caberia, assim, provar (1) a existência dos bens, (2) a manifesta desconformidade entre eles e os rendimentos declarados, e (3) não ser conhecida qualquer outra forma lícita de aquisição; ao arguido, se fosse o caso, a proveniência lícita dos bens (herança, doação, lotaria, rendimentos lícitos não declarados fiscalmente, etc.). Não há, por isso, qualquer violação da presunção de inocência constitucionalmente garantida, mas tão só mera distribuição do ónus de prova, como é corrente, também em direito penal. Ao Ministério Público cabe provar o crime; ao acusado, que, embora desconhecida, existe uma causa lícita de aquisição dos bens. Donde nenhuma violação do princípio da presunção de inocência. Trata-se, aliás, de situação análoga à que acontece, há décadas, com o crime de detenção de estupefacientes, sem que alguém tenha levantado, em todo este tempo, qualquer questão de constitucionalidade. O vice-presidente da bancada parlamentar do PS, Ricardo Rodrigues, defende que não há qualquer necessidade de «lançara bomba atómica em Portugal porque a corrupção no País não atinge moldes que a justifique». Este argumento acolhe a sua concordância? Ninguém sabe qual é a medida da corrupção em Portugal. Mas a convicção pública é de que se trata de um fenómeno generalizado. Ora este sentimento, que existe na sociedade portuguesa, pelo menos, há mais de vinte e cinco anos, está a causar grande mal à nossa democracia, descredibilizando a classe dirigente e não permitindo separar o trigo do joio. Neste clima, para a opinião pública, tudo é joio, «é tudo uma malandragem». Ora não é. À falta de punição dos culpados, continua a confundir-se a parte com o todo. Basta que sejam corruptos 10 por cento dos cerca de 10 mil que constituem, ao nível central e local, a classe dirigente, para estarmos em presença de um fenómeno gravíssimo. E, todavia, se for essa a medida, são apenas uma pequena parte, por mais grave que seja, e é, ter… mil corruptos. Ora, se é verdade que o combate à corrupção será sempre menor enquanto não houver uma eficaz organização de meios preventivos, não é menos verdade que, na falta dessa organização ou na sua falência, o crime de enriquecimento ilícito é um meio ética e constitucionalmente inatacável de verdadeiro e eficaz combate à corrupção. E todos nós somos capazes de reconhecer que ninguém, repito, ninguém, que tenha adquirido licitamente os seus bens de fortuna, tem o menor receio desta medida de, passe a expressão, higiene pública. Então, de que pode ter medo o PS, em não ter querido aprovar o «Pacote Cravinho»? O PS perdeu uma óptima oportunidade de mostrar que tem sincero empenho no combate à corrupção. É que se pretendesse proteger algum notável que, no passado, tenha prevaricado, tal protecção decorreria do facto de não ter a lei efeitos retroactivos. Está esgotada a retórica, com soluço e tudo, em matéria de corrupção; passe-se mas é ao combate sem «outdoors» na Avenida.

Para memória futura. Retirado de "O DIABO 29.04.2008" através da In Verbis aqui.

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