José Luís Oliveira,
vice-presidente da Câmara de Gondomar, é dono de uma fortuna considerável. A última declaração de rendimentos apresentada no Tribunal Constitucional dá conta de que
possui, em seu nome e em território português, 223 propriedades. O processo ‘Apito Dourado’ permitiu também perceber que é
proprietário de várias contas offshore, e foi tornado público que quando foi preso tentou destruir documentação bancária. Hoje, Oliveira continua na Câmara e é milionário.
Em 2004, quando o ‘Apito Dourado’ o catapultou para a primeira divisão da agenda mediática, o braço-direito de Valentim Loureiro era
vice-presidente da distrital do PSD/Porto e dirigia o pequeno clube da sua terra, que lutava pela chegada à Divisão de Honra do futebol português. Suspeitas de corrupção levaram-no à prisão durante oito meses, até ser condenado numa pena suspensa. Outros dois processos em que se discute a participação económica em negócio estão para julgamento.
PROPOSTA CHUMBADA
O PSD trouxe recentemente para discussão pública a criminalização do enriquecimento ilícito. As opiniões voltaram a dividir-se. Não houve acordo nas bancadas parlamentares, e o assunto foi imediatamente rejeitado pela maioria socialista.
Portugal continua sem cumprir as determinações comunitárias e tarda em seguir o exemplo das grandes potências europeias. Os juristas dividem-se e muitos alertam para a perversão da alteração do ónus da prova.
Outros – como os
magistrados Maria José Morgado e Carlos Alexandre – têm vindo a público defender exactamente o contrário. Recentemente, num colóquio no Porto, o juiz que tem a seu cargo processos como o Furacão e o
Freeport garantiu que
'ajudaria muito' à investigação a alteração da lei. Garantiu ainda que o sistema deveria obrigar a que o titular de riqueza justificasse a proveniência lícita dos seus bens, e que não fosse o Ministério Público a ter de provar a origem ilícita de tal riqueza, associando-a a actos criminosos concretos.
ELEITO COMO INDEPENDENTE
José Luís Oliveira é autarca desde 1993, tendo sido eleito numa lista apoiada pelo PSD. Em 2004, Marques Mendes retirou a confiança política a Valentim Loureiro, mas, mesmo preso, Oliveira nunca se demitiu da Câmara. No ano seguinte, a lista liderada por Valentim, como independente, voltou a vencer as eleições com uma maioria absoluta expressiva.
O CM consultou a declaração de rendimentos de José Luís Oliveira. No último documento apresentado naquele tribunal, e passível de ser consultado à luz da transparência dos titulares dos cargos públicos, Oliveira declarou rendimentos de 47 mil euros em 2007. As rendas que aufere das propriedades que possui complementam-lhe o orçamento. Declarou 77 mil euros de rendimentos
prediais.
Muitos dos imóveis que possui, principalmente no lugar da
Ferreirinha, Foz do Sousa, em Gondomar, estão registados como heranças. Nos restantes desconhece-se como conseguiu amealhar dinheiro suficiente para as adquirir.
O CM contactou José Luís Oliveira e tentou obter esclarecimentos.
Feitas as perguntas, o telemóvel do autarca foi desligado. José Luís Oliveira não voltou a atender o telemóvel.
NEGÓCIOS MILIONÁRIOS
Em 1999, José Luís Oliveira era vereador da autarquia
gondomarense e vigorava um 'programa especial de execução de escolas'.
Diz o MP que o autarca pensou adquirir um terreno de 23 mil metros quadrados na freguesia de
Melres, para construir uma escola. Oliveira alegou 'dificuldades financeiras', e levou a proprietária, Rosa Dias, a vender-lhe o imóvel por 230 mil euros. O objectivo seria vendê-lo à Câmara.
Rosa Dias passou uma procuração irrevogável a favor de um amigo do autarca e só sete anos depois descobriu que tinha sido enganada. Chamada pelas Finanças para pagar mais-valias, soube que teria de pagar imposto como se tivesse vendido o terreno por 485,5 mil euros. A idosa ficou também a saber que o comprador não foi a Câmara. O homem a quem passara uma procuração tinha alienado o terreno ao Lar d’Ouro Sociedade de Construções, que depois o vendeu à autarquia, por 487,5 mil euros.
Outro caso também com acusação é o relativo à Quinta do Ambrósio. Em seis dias, Oliveira e outros empresários conseguiram um lucro de três milhões. O MP diz que foram cometidos crimes.
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS
DECLARAÇÕES (€)
2005
Rendimentos 47 141,36
Rend.
prediais 45 988
Mais-valias 52 500
2006
Rendimentos 48 460,60
Rend.
prediais 75 057
2007
Rendimentos 47 449,07
Rend.
prediais 77 224,20
CARROS
Fiat 127
JeepTractor agrícola
Mercedes: 270
PROPRIEDADES: 223 declaradas
-Entre elas há prédios de habitação, garagem e comércio na Foz de Sousa
EMPRESAS
-É sócio de duas empresas: Coutinho, Cardoso e Ferreira
Lda; Rui Ferreira Cardoso,Porto.
-Empresa de investimentos imobiliários e turísticos (não é perceptível o nome na declaração de rendimentos).
CARGOS
Vice-presidente da Câmara com os pelouros de:
-Departamento de Obras Municipais
-Divisão de Equipamento
-Divisão de Planeamento
-Gabinete de Apoio às Freguesias
-Programa Polis
-Secção de Gestão do Património
ENTRE A POLÍTICA, O FUTEBOL E AS IMOBILIÁRIAS
José Luís Oliveira deu os primeiros passos na política com o apoio de Valentim Loureiro. Foi presidente da concelhia do PSD de Gondomar e quando o major se candidatou à presidência da autarquia, ainda pelo PSD, em 1993, Oliveira acompanhou-o na vitória. Desde então foi o braço-direito de Valentim na Câmara. Teve também cargos na Distrital do PSD do Porto. Entrou no futebol, com a presidência do Gondomar
SC, e chegou a fazer parte dos órgãos do Boavista. Continuou com Valentim, já sem o apoio do PSD. Manteve sempre a actividade empresarial no ramo dos negócios imobiliários.
TRÊS MILHÕES EM SEIS DIAS
O chamado caso da Quinta do Ambrósio reporta-se a um terreno baldio que pertencia à Reserva Agrícola Nacional (
RAN) e que, de acordo com uma investigação da PJ, foi comprado em 2000 por um milhão de euros. José Luís Oliveira foi um dos negociantes que, seis dias depois, vendeu o mesmo terreno à Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP) por quatro milhões. Os vendedores garantiram no contrato-promessa que se responsabilizavam em obter junto da Câmara a alteração do destino do prédio e a desafectação viria a consumar-se em Dezembro do ano seguinte.
'PROTEGER A HONESTIDADE': Maria José Morgado, Procuradora-geral adjunta
Correio da Manhã – É urgente criminalizar o enriquecimento ilícito?
Maria José Morgado – Claro.É urgente proteger os valores da ética e da honestidade. Criminalizar esse fenómeno visa reduzir as margens de impunidade verificadas nos últimos anos.
– Portugal está a avançar nesse sentido?
– Há países europeus, como a França, que já avançaram com a lei. Portugal ainda está ao nível da discussão pública, mas já é um avanço. Há um ano não havia sequer discussão.
– Investigar este tipo de crime é difícil?
– Passa pela criação de tipos penais. A recolha da prova tem de ser feita tal como se faz agora nos crimes de branqueamento de capitais. Passa também por se entrar na fortaleza do crime que são as
offshores. Já se consegue ter acesso a algumas dessas contas com solicitações judiciais.
NOTA EDITORIAL
QUEM NÃO DEVE...
OCM analisa nos próximos dois meses, ao fim-de-semana, o património que os autarcas não conseguem explicar. Cruzando o que os próprios declaram com outras fontes, como investigações fora do segredo de justiça ou registos notariais de bens, vamos mostrar como nem tudo vai bem no poder local. Sem preconceitos e antes das eleições, para evitar interpretações perversas. Mas defendendo o melhor para a Democracia: mais transparência na política e eficácia na Justiça. Quem não deve...
PORMENORES
PELOUROS NA CÂMARA
O
vice-presidente da autarquia acumula os pelouros da gestão do património e obras municipais, incluindo a gestão do programa Polis, em execução.
POLIS DE GONDOMAR
É José Luís Oliveira quem gere as adjudicações de projectos do Polis. Um plano de reabilitação urbanística e intervenções em cerca de 15 quilómetros na marginal.
ZONA TURÍSTICA
Na marginal, estão já em construção diversos projectos imobiliários. Há também vários anúncios a promover a zona.
NOTAS
TERRENOS: CONSTRUÇÃO
Entre as 223 propriedades registadas nas três últimas declarações de rendimentos contam-se inúmeros terrenos com capacidade de construção
FAMÍLIA: MUITOS TERRENOS
No lugar de
Ferreirinha, Foz do Sousa, na marginal do rio Douro, a maioria dos terrenos pertence à família do autarca José Luís Oliveira
LIBERTADO: 400 MIL EUROS
A 22 de Dezembro de 2004, Oliveira foi libertado e obrigado a apagar uma caução de 400 mil euros. Esteve oito meses em prisão preventiva na cadeia anexa à Judiciária
CASAL: COMUNHÃO DE BENS
Segundo as declarações de IRS, José Luís Oliveira é casado em comunhão geral de bens com Rosa Celeste Almeida Neves. A esposa também tem várias propriedades em Gondomar
PROVEDOR: SANTA CASA
Além das diversas competências como
vice--presidente da autarquia, o autarca acumula,há vários anos, o cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Gondomar
Manuela Teixeira / Tânia
Laranjo. Notícia
aqui.
N: Esta notícia apenas tem como finalidade promover a transparência (a mesma finalidade que obriga a que os rendimentos de autarcas sejam declarados no Tribunal Constitucional) não significando qualquer juízo de valor sobre o visado.