«Espanha é um dos países mais liberais do mundo em matéria de acesso do Fisco às contas bancárias dos contribuintes. Lá, a administração fiscal recebe duas vezes por ano um conjunto de informações sobre os movimentos de todos os clientes bancários. Além disso, pode pedir à banca qualquer informação sobre os seus clientes. E nem sequer é preciso que estes sejam suspeitos de fraude fiscal. Este é o modelo que o Partido Socialista (PS) disse quinta-feira que queria implementarem Portugal, em conjunto com o Bloco de Esquerda (BE), durante a discussão na especialidade da proposta dos bloquistas. Há vários anos que os relatórios da OCDE, a instituição que acompanha regularmente as matérias do sigilo bancário, coloca Espanha entre os países mais avançados nesta matéria, a par com a Austrália, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Itália, por exemplo. Importar o modelo para Portugal, um país onde as mudanças vêm sendo lentas e progressivas, implicará uma ruptura total de cultura e de práticas. Sigilo bancário não existe no direito espanhol Uma diferença fundamental em relação a Portugal - e que dificilmente é harmonizável - é que no direito espanhol não se consagra em lado algum uma "norma de direito positivo que expressamente garanta e estabeleça o segredo bancário", explica o jurista Noel Gomes, no seu livro "segredo bancário e direito fiscal", editado pela Almedina. Cá em Portugal, ele está consagrado desde o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, até às leis orgânicas do Banco de Portugal e da CMVM. Fisco recebe lista de dados automática... Uma segunda diferença substancial é que, em Espanha, o Fisco actua sem restrições substanciais. "A lei apenas estabelece o leque de procedimentos que a administração fiscal precisa de seguir e salvaguarda" que o Fisco não pode divulgar a informação que fica em sua posse, sublinha a OCDE. E como se processa o acesso aos dados? De duas formas. Uma delas diz que periodicamente, os bancos têm o dever de enviar ao Fisco todo o tipo de informações com relevância tributária, "resultantes da sua relação económica, profissional ou financeira com outras pessoas", lê-se na Ley General Tributária A informação é enviada de forma automática pelos bancos, e compreende, por exemplo, os juros e os dividendos pagos, com a identificação dos titulares das contas bancárias. Ou ainda a emissão e subscrição de activos, incluindo dívida publica, ou a transferências de créditos à habitação em que o banco intervenha. ... e também toda a informação que expressamente solicite Além de receber uma relação de operações bancárias de todos os contribuintes que tenham conta nos bancos espanhóis, o Fisco pode também pedir aos bancos que forneçam dados sobre determinada situação. Esta obrigação compreende movimentos de contas correntes, depósitos à ordem e a prazo, posições de empréstimos, créditos e demais operações activas e passivas das instituições com clientes, diz o "Reglamento general de la inspeccion de los tributos". O Fisco pode pedir estes dados para qualquer contribuinte, sem limitações, não sendo sequer preciso que este seja suspeito de fraude e evasão. Este regime amplo não é exclusivo do país vizinho, sendo também praticado no Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Grécia, Itália,Suécia ou os EUA, segundo a OCDE. À administração fiscal espanhola são apenas impostas regras procedimentais. Garantir que a informação é para fins tributários, e fazer acompanhar os requerimentos de uma autorização prévia do director do departamento competente da agência tributária. O referido requerimento tem de conter as contas ou operações objecto de investigação, os sujeitos passivos visados e o período temporal a que se refere o pedido.
.IDEIAS-CHAVE COMO FUNCIONA O ACESSO AOS DADOS BANCÁRIOS EM ESPANHA
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1. SEGREDO NÃO EXISTE
Logo à partida, há uma diferença fundamental: em Espanha, não está legalmente consagrado o dever de sigilo bancário como princípio base. Em Portugal, ele está expresso no RGICSF e nas leis orgânicas do BdP e da CMVM. Depois, existem excepções ao princípio geral para diversos fins (como o fiscal, em circunstâncias muito específicas estipuladas no artigo 63°-B da Lei Geral Tributária).
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2. FISCO ESPANHOL RECEBE LISTAS AUTOMÁTICAS...
Periodicamente, os bancos têm o dever de enviar à administração fiscal todo o tipo de dados e informações com relevância tributária dos seus clientes. Entre essa informação estão, por exemplo, os juros e os dividendos pagos, com a identificação dos titulares das contas bancárias. Ou transferências de hipotecas em que o banco tenha intervindo.
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3 ...MAIS TODA A INFORMAÇÃO BANCÁRIA QUE PEDIR
Além do envio automático da informação anterior, dos bancos têm de disponibilizar dados sobre os clientes quando esta lhes são solicitados pela Inspecção tributária. Esta obrigação compreende movimentos de contas correntes, depósitos à ordem e a prazo, posições de empréstimos, créditos e demais operações activas e passivas das instituições com clientes.
4. TODOS OS CONTRIBUINTES
O Fisco precisa de garantir que a informação é relevante para efeitos tributários e comprometer-se a manter reserva sobre a mesma. Contudo, podem pedir dados sobre todos os contribuintes, não sendo sequer necessário que haja suspeita de evasão (aproxima-se da proposta do BE). Os requerimentos têm é de ser acompanhados de uma autorização do responsável tributário.
Publicado no Jornal de Negócios a 20 de Abril de 2009. Notícia aqui.
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