Por Paulo Gaião - Semanário
O pecado original de o Procurador Geral da República ser proposto e nomeado pelo Governo e pelo PR, sempre prestou a insituição a equívocos permanentes.
Antes de mais um ponto prévio. A maioria dos delegados do Ministério Público e procuradores abraçaram a carreira cheios de boas intenções, pensando que a democracia portuguesa se tornava mais perfeita, que o Ministério Público ganhava autonomia formal e de facto e que iam ser colocados cada vez mais meios ao seu dispor. Hoje, no fim do caminho, resta o sonho de gente profissional, indiferente aos jogos políticos, às vaidades, aos holofotes televisivos, às guerras intestinas e aos cargos que podia ocupar por beneplácito político, gente que acreditou no que fazia... Hoje, já se viu que o Ministério Público não tem condições para fazer uma investigação cabal e independente do caso Freeport, o que levanta uma questão fundamental. Para que serve hoje, verdadeiramente, o Ministério Público? Pode ser o «chaperon» do poder, que acusa os pilha-galinhas mas nunca se mete a sério com os políticos? Ou é uma instituição destinada a morrer porque em sociedades modernas, com democracias profundas, escutinadas, o poder político também não se pode dar ao luxo de ter um Ministério Público ficticiamente autónomo mas, de facto, dependente dele? A vida do MP nunca foi fácil, derivado da missão melindrosa da acção penal e de um estatuto híbrido, que deu margem a entendimentos de maior ou menor autonomia em relação ao poder político. O pecado original de o Procurador Geral da República ser proposto e nomeado pelo poder político, respectivamente pelo Governo e pelo Presidente da República, talvez a armadilha política fatal, também prestou a instituição a equívocos permanentes. Na verdade, é dificilmente aceitável que a figura hierárquica de topo do MP seja nomeado pelo poder político. Ao longo de trinta anos, contam-se pelos dedos os casos em que o MP se meteu a sério com o poder político mas, mesmo assim, sempre que tal aconteceu, a instituição saiu do combate cheia de feridas, acusada de prosseguir objectivos políticos ou servindo, objectivamente, de arma de arremesso entre adversários políticos, ora no poder, ora na oposição. A instrumentalização foi óbvia. Foi assim com o caso Leonor Beleza em 1994. Foi assim, sobretudo, com o caso Casa Pia em 2003, que pode ter significado o ponto de viragem na forma de o poder político lidar com o MP. Quando Souto Moura ousou aplicar o princípio de que a justiça é cega num caso altamente melindroso como a pedofilia, tendo ainda a coragem de denunciar as pressões sucessivas dos políticos num caso judicial, o que não foi tolerado por um poder que sempre se sentiu com direitos especiais por agraciar o PGR com a propositura para o cargo, a sentença da instituição ficou assinada. A provar, no entanto, que mesmo mobribundo, o MP nunca perdeu a natureza para ser instrumentalizado, houve logo actores políticos que tentaram suibstituir-se à influência histórica dos socialistas na instituição, até por uma questão sociológica de os delegados do MP serem mais de esquerda do que de direita, tal como os jornalistas o são. Alguns sectores do MP aproximaram-se, então, do PSD, numa pura aliança de conveniência. Alguns ilustres social-democratas começaram a andar com o MP ao colo, defendendo a sua autonomia, numa ligação contra-natura. Esta vida difícil que o MP foi tendo ao longo dos anos com o poder político criou, paradoxalmente, muitos vícios florentinos no seio do próprio MP, que a instituição importou da classe política. A promiscuidade na instituição começou a ter dois sentidos. Hoje espanta que muitos procuradores se tenham envolvido na política, que tenham desempenhado cargos governativos. Como espanta o vai-vem entre o exercício do cargo político e o regresso a funções judiciais, numa confusão de papéis e interesses inaceitáveis que tem paralelo, no jornalismo, com o vai-vém entre ser assessor e jornalista. Como espanta, ainda, a inxistência de incompatibilidades legais, talvez outra armadilha, outra manobra de aliciamento do poder político para iludir o MP, levando-o à perdição. Hoje, olha-se para o MP, vacinados contra as artes do fingimento, e pode ver-se ora uma batalha campal, ora ou um feixe de vedetas em movimento, cada uma com as suas idiossincrasias e os seus propósitos. O PGR faz o seu papel, há muito destinado, como sucessor que foi de Souto Moura, o inimigo público dos socialistas. O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público abriu guerra com o PGR, logo no início do seu mandato, consciente que a luta ia ser travada, no terreno, contra a autonomia do MP. Esta semana, o MP está a viver, talvez, a sua pior semana de sempre. Ao que se sabe, o PGR quis que três procuradores assinassem um papel em que que declaravam conjuntamente que não tinham sido pressionados nem pressionaram ninguém no caso Freeport. Mas dois deles recusaram-se a assinar, presumivelmente por considerarem não ser verdade o que se dizia na declaração. Ver o PGR envolvido nestas movimentações é grave, ver que o PGR está sem rede no Palácio Palmela, sem assessores que lhe digam como pode ser feito e como não pode ser feito, de todo, mostra também a fragilidade de um homem e de uma insituição com poderes colossais. Entretanto, há quem aproveite a debilidade do MP para lhe lançar o laço. O bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, ao por o Largo de São Domingos na defesa de Sócrates, pode visar dois objectivos políticos. Como é sabido, Sócrates também precisa de homens influentes de esquerda, para captar votos e manter a maioria absoluta. Há quem dê Marinho Pinto como certo num fututro cargo político. Ao nível da Ordem, também pode ser a oportunidade para fazer renascer uma ideia antiga e dar mais uma machadada no MP: criar a carreira de defensor público e aproveitar para dar emprego a milhares de advogados sem trabalho. Talvez o poder político sempre soubesse que o destino do MP ia ser este, talvez tenha forçado tudo, montado armadilhas, dado sinecuras. O objectivo pode ser alcançado. Mas, se a democracia funionar, o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro. Depois do MP, pode chegar a hora dos juízes, para serem os garantes da acção penal independente e da real separação de poderes. Por exigência do escrutínio democrático e do peso da sociedade civil... europeia. A UE também tem destas vantagens.
Artigo aqui (e também aqui e aqui)
O pecado original de o Procurador Geral da República ser proposto e nomeado pelo Governo e pelo PR, sempre prestou a insituição a equívocos permanentes.
Antes de mais um ponto prévio. A maioria dos delegados do Ministério Público e procuradores abraçaram a carreira cheios de boas intenções, pensando que a democracia portuguesa se tornava mais perfeita, que o Ministério Público ganhava autonomia formal e de facto e que iam ser colocados cada vez mais meios ao seu dispor. Hoje, no fim do caminho, resta o sonho de gente profissional, indiferente aos jogos políticos, às vaidades, aos holofotes televisivos, às guerras intestinas e aos cargos que podia ocupar por beneplácito político, gente que acreditou no que fazia... Hoje, já se viu que o Ministério Público não tem condições para fazer uma investigação cabal e independente do caso Freeport, o que levanta uma questão fundamental. Para que serve hoje, verdadeiramente, o Ministério Público? Pode ser o «chaperon» do poder, que acusa os pilha-galinhas mas nunca se mete a sério com os políticos? Ou é uma instituição destinada a morrer porque em sociedades modernas, com democracias profundas, escutinadas, o poder político também não se pode dar ao luxo de ter um Ministério Público ficticiamente autónomo mas, de facto, dependente dele? A vida do MP nunca foi fácil, derivado da missão melindrosa da acção penal e de um estatuto híbrido, que deu margem a entendimentos de maior ou menor autonomia em relação ao poder político. O pecado original de o Procurador Geral da República ser proposto e nomeado pelo poder político, respectivamente pelo Governo e pelo Presidente da República, talvez a armadilha política fatal, também prestou a instituição a equívocos permanentes. Na verdade, é dificilmente aceitável que a figura hierárquica de topo do MP seja nomeado pelo poder político. Ao longo de trinta anos, contam-se pelos dedos os casos em que o MP se meteu a sério com o poder político mas, mesmo assim, sempre que tal aconteceu, a instituição saiu do combate cheia de feridas, acusada de prosseguir objectivos políticos ou servindo, objectivamente, de arma de arremesso entre adversários políticos, ora no poder, ora na oposição. A instrumentalização foi óbvia. Foi assim com o caso Leonor Beleza em 1994. Foi assim, sobretudo, com o caso Casa Pia em 2003, que pode ter significado o ponto de viragem na forma de o poder político lidar com o MP. Quando Souto Moura ousou aplicar o princípio de que a justiça é cega num caso altamente melindroso como a pedofilia, tendo ainda a coragem de denunciar as pressões sucessivas dos políticos num caso judicial, o que não foi tolerado por um poder que sempre se sentiu com direitos especiais por agraciar o PGR com a propositura para o cargo, a sentença da instituição ficou assinada. A provar, no entanto, que mesmo mobribundo, o MP nunca perdeu a natureza para ser instrumentalizado, houve logo actores políticos que tentaram suibstituir-se à influência histórica dos socialistas na instituição, até por uma questão sociológica de os delegados do MP serem mais de esquerda do que de direita, tal como os jornalistas o são. Alguns sectores do MP aproximaram-se, então, do PSD, numa pura aliança de conveniência. Alguns ilustres social-democratas começaram a andar com o MP ao colo, defendendo a sua autonomia, numa ligação contra-natura. Esta vida difícil que o MP foi tendo ao longo dos anos com o poder político criou, paradoxalmente, muitos vícios florentinos no seio do próprio MP, que a instituição importou da classe política. A promiscuidade na instituição começou a ter dois sentidos. Hoje espanta que muitos procuradores se tenham envolvido na política, que tenham desempenhado cargos governativos. Como espanta o vai-vem entre o exercício do cargo político e o regresso a funções judiciais, numa confusão de papéis e interesses inaceitáveis que tem paralelo, no jornalismo, com o vai-vém entre ser assessor e jornalista. Como espanta, ainda, a inxistência de incompatibilidades legais, talvez outra armadilha, outra manobra de aliciamento do poder político para iludir o MP, levando-o à perdição. Hoje, olha-se para o MP, vacinados contra as artes do fingimento, e pode ver-se ora uma batalha campal, ora ou um feixe de vedetas em movimento, cada uma com as suas idiossincrasias e os seus propósitos. O PGR faz o seu papel, há muito destinado, como sucessor que foi de Souto Moura, o inimigo público dos socialistas. O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público abriu guerra com o PGR, logo no início do seu mandato, consciente que a luta ia ser travada, no terreno, contra a autonomia do MP. Esta semana, o MP está a viver, talvez, a sua pior semana de sempre. Ao que se sabe, o PGR quis que três procuradores assinassem um papel em que que declaravam conjuntamente que não tinham sido pressionados nem pressionaram ninguém no caso Freeport. Mas dois deles recusaram-se a assinar, presumivelmente por considerarem não ser verdade o que se dizia na declaração. Ver o PGR envolvido nestas movimentações é grave, ver que o PGR está sem rede no Palácio Palmela, sem assessores que lhe digam como pode ser feito e como não pode ser feito, de todo, mostra também a fragilidade de um homem e de uma insituição com poderes colossais. Entretanto, há quem aproveite a debilidade do MP para lhe lançar o laço. O bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, ao por o Largo de São Domingos na defesa de Sócrates, pode visar dois objectivos políticos. Como é sabido, Sócrates também precisa de homens influentes de esquerda, para captar votos e manter a maioria absoluta. Há quem dê Marinho Pinto como certo num fututro cargo político. Ao nível da Ordem, também pode ser a oportunidade para fazer renascer uma ideia antiga e dar mais uma machadada no MP: criar a carreira de defensor público e aproveitar para dar emprego a milhares de advogados sem trabalho. Talvez o poder político sempre soubesse que o destino do MP ia ser este, talvez tenha forçado tudo, montado armadilhas, dado sinecuras. O objectivo pode ser alcançado. Mas, se a democracia funionar, o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro. Depois do MP, pode chegar a hora dos juízes, para serem os garantes da acção penal independente e da real separação de poderes. Por exigência do escrutínio democrático e do peso da sociedade civil... europeia. A UE também tem destas vantagens.
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