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quarta-feira, 29 de abril de 2009

Paulo Marcelo: Combater a corrupção e o enriquecimento ilícito

Nunca concordei com a frase de Balzac que diz que por detrás de uma grande fortuna está sempre um grande crime. Acredito que a prosperidade (sobretudo se associada à igualdade) é essencial ao nosso bem-estar colectivo. E que cada um de nós a pode alcançar por meios legítimos. Claro que a crise financeira tem desmascarado muita ganância e vigarice, mas não embarco na demagogia fácil contra o capitalismo e contra os "ricos".Outra das classes cada vez mais "debaixo de fogo" é a dos políticos. Todos ouvimos falar dos casos de certas pessoas que, de um momento para o outro, atingiram um património muito acima da remuneração normal da sua actividade. Apesar dos indícios, nestes casos, a Justiça não tem sido capaz de punir os alegadamente corruptos. Veja-se o caso de Mesquita Machado, no poder há 32 anos em Braga. Muito se fala sobre corrupção, tráfico de influências e cumplicidades com empreiteiros (ex. Bragaparques), mas nunca se conseguiu provar nada. Podia também aqui falar dos casos de Fátima Felgueiras ou Avelino Ferreira Torres.
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São raras em Portugal as condenações por corrupção, gerando um sentimento de impunidade. Como o sistema não se consegue punir os culpados, separando o trigo do joio, generaliza-se a ideia de que os políticos são todos desonestos. Que só querem “governar-se”. Esta generalização é injusta para a classe política, normalmente bem intencionada e honesta (pelo menos é isso que penso dos que conheço). Pode mesmo tornar-se uma ameaça para a nossa democracia.
Na semana passada perdeu-se uma excelente oportunidade para melhorar o sistema legal de combate à corrupção. A maioria socialista chumbou no Parlamento dois projectos de criminalização do enriquecimento ilícito (PSD e PCP) que visavam punir os agentes públicos (funcionários ou políticos) com um património manifestamente superior aos seus rendimentos profissionais. Este processo gerou um grande equívoco. Ao contrário do que alguns disseram, certamente sem ler o texto, o diploma do PSD não inverte o ónus da prova. Pelo contrário, diz claramente que a “prova da desproporção manifesta que não resulte de outro meio de aquisição ilícito (…) incumbe ao Ministério Público”. É pois respeitado o princípio constitucional da presunção de inocência, competindo à acusação provar os elementos do crime, inclusive o nexo de contemporaneidade entre o enriquecimento suspeito e o exercício das funções públicas. Ao “suspeito” cabe apenas defender-se das provas apresentadas contra si, tal como acontece com qualquer outro crime.Não colhe pois o argumento de inconstitucionalidade. Só assim se compreende que este tipo criminal seja recomendado na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, já ratificado por Portugal. Aliás, se o PS estivesse mesmo empenhado em combater a corrupção, poderia ter-se abstido para aperfeiçoar o diploma na especialidade, ou submeter ao juízo do Tribunal Constitucional. O que já parece ter problemas constitucionais é a proposta do Governo que atribui à Administração Fiscal, directamente dependente do Governo e, por isso, passível de instrumentalização política, o poder de aplicar taxa fiscal agravada (60%) para certos rendimentos “suspeitos”. Esta “pena fiscal” aplicada administrativamente, sem as garantias de defesa do Processo Penal, parece ser inconstitucional. Note-se que seria o contribuinte a ter de provar que os seus rendimentos não são suspeitos, afastando a taxa agravada de 60%..
O combate à corrupção e ao crime económico devem ser uma prioridade política de todos os partidos. O único modo de construirmos um país mais próspero, capaz de gerar riqueza legítima, é através de um combate "sem quartel" à riqueza ilícita. Não adianta discutir soluções teoricamente perfeitas que não funcionam na prática, como se tem visto. Não faz sentido invocar a defesa do estado de Direito, como fez o PS no Parlamento, quando é esse mesmo estado de Direito que está em causa se nada fizermos para combater a corrupção. O peixe apodrece sempre pela cabeça.
Opinião de Paulo Marcelo aqui (completo aqui).

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